sexta-feira, 7 de setembro de 2007

SONHO - INTERTEXTUALIDADE

Era uma tarde fria, chuvosa, daquelas que o frio fazia gelar até a alma.
Beatriz decidira ficar em casa, desfrutar do calor da lareira, do brilho das labaredas. Este mesmo ambiente que tantas vezes lhe parecera como uma prisão e que lhe dera a sensação de estar numa redoma, isolada do restante
do mundo, agora parecia-lhe mais acolhedor.
Estava num momento decisivo. Precisava refletir. Desejara tanto ser livre, viver só, com seus temores e suas alegrias e, no entanto, agora que tudo parecia concretizar-se, sentia certa ponta de tristeza. Ou seria insegurança? Medo?
Precisava enroscar-se na manta, sentir aquele calorzinho do fogo crepitando na lareira, sentir-se segura, abraçada, amada.
Foi aí, neste ambiente, que adormeceu na tarde fria e sonhou.
Viu-se noutro ambiente, no qual parecia ser uma estranha personagem. Mas o conflito que presenciava era o mesmo seu. Reconhecia naquela mulher a personagem de um livro que tantas vezes lera, na época que estudava literatura na Universidade. Não era outra senão Capitu, aquela que agora vivia distante, como uma exilada, isolada, em função da desconfiança do marido.
Reconhecia seus olhos, seu rosto, seu corpo, mas ao mesmo tempo, via nela a si mesma, no olhar de “cigana oblíqua dissimulada”.

Lembrou-se de terem conversado, de ter-lhe perguntado por que ela estava ali, ao que Capitu respondera que talvez ela desejasse saber era se tudo valera à pena, a mentira, a dúvida que ficara a pairar no ar, mas que ao mesmo tempo fora como uma sentença condenatória, não só para ela, mas para ambos, pois o silêncio a que se impôs atingia a todos. Enfatizou que não teria porque responder. Não adiantaria. Cada caso era diferente. Sua situação nada tinha de semelhante à dela. Cada vida se completa no seu próprio ciclo. Só Beatriz poderia avaliar o que faria dali para frente. Deveria seguir sua intuição, sua vontade, desprender-se das coisas materiais e ver o que exigia seu coração.
Foi neste momento que acordou num sobressalto, com o barulho da porta.
Ficou perturbada, pois se sentia como se estivesse conversando consigo mesmo.
A resposta teria que vir de seu íntimo.
Continuava sem saber que rumo escolher: O amor ou a segurança.

Publicado no site: www.usinadaspalavras.com

Data: 2007.08.14

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